segunda-feira, 27 de abril de 2009

Julinho quer salvar minha alma


- Você não é evangélica?


- Não


- Deus me contou que você iria sentar ao meu lado hoje. Você percebeu que foi a única pessoa que sentou perto de mim?

Eram 16h21 quando entrei no Veiga Jardim. Domingo, dia de pouco ônibus e de muita gente “estranha”. Ele estava sentado na primeira cadeira após a porta do meio. Camisa azul riscada de botões, calça bege, duas sacolas grandes, uma cheia de sucata, as mãos estavam sujas, dedos pretos e unhas escurecidas. Olhos castanho claro e o dente da frente quebrado. Sentia que o meu companheiro de viagem não tomava banho há muito tempo, mas não se parecia com os catadores de sucata que vemos nas ruas de Goiânia.

“Prefiro trabalhar a ficar em casa. Em casa brigo com meus irmãos e como só tenho meu pai e minha madrasta, prefiro ficar nas ruas trabalhando. Sou jardineiro profissional e cato latinhas nos fins de semana para comprar roupas e ficar bonito.”

Eu já havia arrependido de ter me sentado ao lado dele. O cheiro da sujeira estava me nauseando e quando ele começou a contar sua história esqueci do cheiro, comecei a prestar atenção apenas nas histórias, meu coração amoleceu e achei que foi sorte minha sentar ao lado de Julinho. O catador de latinha foi me contar sua sina de pregador. Ele disse que era mandado pelo o Senhor, que ouvia uma voz e fazia tudo que Deus o mandava fazer. Naquela tarde Deus mandou que ele se encontrasse comigo e me dissesse que eu seria salva. Ele não deixou que eu dissesse nada. Só ele falava.

“Olha hoje eu vou orar muito por você e por sua filha que vocês são duas criaturas abençoadas” - eu estava sozinha no ônibus e não tenho filhos, ele estava convicto de que eu tinha uma filhinha e falou muito nela durante a viagem. Ele contou que o Senhor tem sido maravilhoso com ele.


No último feriado foi mandado por Deus para ir até uma Avenida no centro de Goiânia salvar uma mulher que seria puta. Ele disse que ouviu Deus e foi. Aquele dia segundo ele era uma provação da fé dele, porque era tarde da noite e o local onde foi tinham muito enviados do demônio, quando ele chegou ao próximo a um posto de Combustível, um homem tentou roubar o capacete que ele tinha nas mãos e ele fugiu. Durante a fuga se deparou com a moça. A mulher com que haviam mandado que ele a encontrasse, estava lá. Ele chegou nela e disse a mulher que ela seria salva. Julinho orou com a jovem puta e me disse que tinha uma bíblia nas mãos. A mulher chorou muito e agradeceu a atenção dele. Julinho se escondeu dentro do posto até dar ora do ônibus voltar a passar.


“Eu prego nos terminais moça. Eu não sou doido, eu sou cristão em missão de salvar almas”.Será que sou tão pecadora e Julinho salvou minha alma? Ele disse que o capeta estava querendo me desviar do caminho do bem, mas que eu era uma moça boa e que o Senhor gostava de mim. Eu fiquei com medo, não das palavras, mas fiquei com medo.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Dona Odete vê fantasmas

“Eu ouvi alguém bater na janela. Tinha acabado de apagar todas as luzes do prédio. Resolvi subir e ver se ninguém havia entrado durante o expediente e ficado preso. Quando cheguei no segundo andar todas as luzes se acenderam. Meus braços ficaram arrepiados”, narrava dona Odete, na tarde de quarta-feira. Estavamos dentro do ônibus, lotado, chamado de expresso que leva as pessoas ao bairro Colina Azul II, em Aparecida de Goiânia. Eram 16h40 quando aquela contadora de história conseguiu prender a atenção de todos os passageiros que estavam a sua volta.

Eu estava a uma cadeira de distância dela. Alegre, contou que ontem não trabalharia a noite, pois havia substituído no período da tarde uma colega que levaria o filho ao médico. Antes disse que era perigoso carregar bolsa, sitpass e qualquer coisa de valor nas ruas da grande Goiânia. “ No centro, na Praça Cívica, tem uma gangue que tem preferência por roubar sitpass. As vezes levam bolsas também. São dois homens e uma mulher. Percorrem toda a praça a procura de desavisados que deixem as bolsas ou o pass a mostra,” reclamava Odete para a colega.
Ela parou de carregar bolsa. A escova de cabelo e a maquiagem ficavam no trabalho e a roupa que sempre trocava, agora, carregava numa sacolinha de supermercado. Assim, Odete se sentia segura contra os bandidos. Narrava suas histórias enquanto reparava na minha bolsa. Não disse, mas parecia me achar uma tonta e uma presa fácil para gangue da Praça Cívica.

Enquanto ela me dava as dicas, como me portar como passageira de ônibus em tempos de violência, eu prestava toda a atenção do mundo sem contestar nada, apenas perguntando e tentando tirar dela mais informações. A história do fantasma me interessou.

- Onde a senhora trabalha?
- Na Affego.
- Como surgiram essas histórias de fantasmas?
- Ah minha filha. Muitos fiscais morreram ali mesmo no prédio. E as pessoas dizem que a noite eles voltam para trabalhar. Todo mundo tem uma história assim para contar.
- Onde fica a Affego?
- Ali no centro, próximo a Praça Cívica. Eu trabalho a noite. Não tenho medo de fantasmas já me acostumei com eles. Para não ouvi-los trabalho. É só parar de trabalhar que os barulhos começam.
Quando é um funcionário novato ela diz que antes dos barulhos começarem “eles” tocam a campainha. A pessoa vai atender e descobre que não tem ninguém. Tocam de novo e o incrédulo começa a acreditar em fantasmas. O dia em que “eles” estão muito animados Odete diz que se agarra ao nome do senhor. Pede para Jesus afastar o que tiver ali. Como é evangélica ela não crê que sejam almas penadas e sim obra do demônio. Para ela fantasmas não existem. Mas mesmo assim ela conta que conversa com 'eles' e diz:

- Olha eu trabalho aqui. Estou cuidando de tudo para vocês. Não se preocupem.

Falando sobre a violência. Ela ainda acrescentou que o bairro em que mora é muito perigoso. Quando chega em casa altas horas da noite, sozinha, desce do ponto e segue orando pelas ruas até chegar ao destino.

- Tchau dona Odete. Boa viagem.

Cheguei ao meu ponto, desci do ônibus e deixei aquela contadora de histórias maravilhosa ir embora, sem que eu pegasse com ela seu telefone. Daria um belo perfil.