domingo, 26 de julho de 2009

Sobre a morte

Ontem, sábado, acordamos assim:
-Seu avô morreu.
Foi um telefonema, da tia Aparecida (irmã caçula da minha mãe )
O que quero contar é... Estávamos nos preparando para a festa de 90 anos do Gerson Felipe, meu avô materno. Dia 15 de agosto, de 1919. Essa é a data em que ele nasceu, está escrita lá em seus documentos pessoais. Sabe o que ocorria nos últimos dias? Ele passava o dia insistindo que não faria 90 anos. Conclusão: Eramos burros e não sabíamos contar.
"Eu faço 89 anos e não vou fazer 90 anos. Porque 90 eu não faço", era assim toda vez que alguém falava de seus 90 anos.
Vovô se conformou e aceitou a festa de aniversário, mesmo jurando que completaria 89 anos. Nos últimos dias era só expectativa. Os irmãos que há muito não via, seriam convidados. Tio Chico, Tio Coco, Manuel e Jales (foram ao velório). Existia esperança em ver juntos todos os netos, filhos, genros, bisnetos e tataranetos. Seria uma grande festa a moda dos 'Felipes'. Não tenho dúvidas que seria. Como todas as festas 'dos Felipes' rolaria barraco, abraços, reencontros, fofocas, beijos, crianças e muita alegria. Rola lágrimas. As vezes arrependimento em alguns olhares e em certa medida alguma exclusão.
Não tenho dúvidas que seria um grande dia e uma grande festa.
Sobre meu avô
Seu Gerson não foi o melhor avô do mundo (pelo menos para mim). Mas teve muito trabalho nessa vida. Ele liderou uma família composta por 9 filhos, sendo sete mulheres e dois homens. Foi forte o bastante para enterrar o filho, Wagner (morreu jovem com seus 20 poucos anos, alguns dias antes deu nascer) e a mulher, Dona Maria ( morreu quando eu morava em Natal). Minha vó era mais forte que meu avô ( pelo menos era assim que me contavam) e por isso por muitos anos escondeu que ele era um galinha. Por isso, também, ergueu o carro para desatola-lo do barro (com meu avô dentro), suportou picada de cobra e escorpião e morou numa espécie de galinheiro ( esse de verdade).
Ela, dona Maria, sabia que eu gostava de Goiabada, por isso mandou para mim em Natal, aquela gostosa que só ela sabia fazer. Ele, seu Gerson, ficou emocionado ao pegar o meu convite de formatura. Passou horas olhando a minha foto e passando a mão sobre ela.
Meu avô não sabia dizer não e por isso 'alguns' pegavam dinheiro com ele emprestado e nunca devolviam. Como o devedor não pagava, um mês depois ele se encumbia de contar para todas as filhas, que contavam para todos os netos e que por fim virava uma roda. O devedor no fim do segundo mês, por meio do telefone sem-fio, já havia virado uma espécie de 'ladrão', sem que o fosse. Isso porque 'nos Felipes' o que mais se faz é falar. Falam de tudo e de todos. ( Eu não me excluo, porque fui a única que virou uma fofoqueira profissional: jornalista!)
Seu Gerson adorava todos os genros e falava todas as bobagens possíveis. Antes de morrer comprou um remédio genérico do Viagra (dessa vez ele contou para o neto). E foi uma neta que encontrou a caixa do remédio, no dia que ele morreu. E na cartela faltava um comprimido. ( Quem sabe esse não foi o desencadeante da morte ? )
Morreu dormindo. Morreu sem problemas graves de saúde. Em casa, sozinho e livre como ele gostava de ser. Foi enterrado 13 anos depois de vovó, ao lado dela e perto do filho, 27 anos depois.
Achei que não iria chorar. Porque era ele. Quando vi o caixão entrando na terra e os soluços por perto. Sabe? Eu chorei. Era ele também que iria embora, meu único avô vivo. E foi ontem, também, que me perdoei. Eu enterrei os meus fantasmas e o meu pavor.