terça-feira, 25 de março de 2008

Beleza Impura



Uma visão médica da estética médica

Dizem os historiadores que o nosso padrão de beleza vem da Grécia antiga, provavelmente deve ser mesmo, mas sem dúvida ele já foi bastante modificado. Se eu encontrasse com a Vénus de Milo em uma balada precisaria de alguns chopps para “encarar” a moça. Mas uma coisa é fato, em qualquer época, o ser humano sempre fez o possível para ficar mais atraente e chamar atenção do sexo oposto. Seja por pinturas indígenas, argolas no pescoço, penteados exóticos ou silicones. E com a intervenção da mídia que impõe padrões cada vez mais esculturais, com seus atores que são “Beleza Pura” ou um batalhão de turbinadas e lipoaspiradas nos BBBs da vida, fica a impressão de que aquilo é o normal, logo a busca pela beleza é cada dia mais radical, afinal vale tudo para não ficar fora dos padrões.

E nessa guerra humana pela perfeição a medicina cada vez mais se junta a indústria da beleza. É a mesma medicina que durante séculos ficou a cargo de minimizar sofrimentos e curar enfermidades, agora age como se feiúra fosse doença, e talvez seja mesmo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde é: “O estado de bem estar completo nos aspectos físicos, psíquico e social, e não simplesmente de mera ausência de enfermidade”. Logo se a feiúra traz para alguém algum quadro depressivo ou rejeição social podemos dizer que esta pessoa está doente, segundo a OMS (estaria eu doente?!), e nesse sentido a medicina realmente tem a obrigação de intervir. Essa é a desculpa dos “médicos estéticos” para justificar sua profissão. Claro que sabemos que este não é o principal estimulo que eles têm e que não precisa estar deprimido para convencer um médico a te aplicar botox ou colocar silicone.

No Brasil os esforços para “curar a feiúra” são tantos que chegamos ao topo da lista dos países que mais fazem cirurgia plástica e temos alguns dos melhores cirurgiões do mundo e a nossa indústria farmacêutica investe mais em pesquisa de cosméticos do que em desenvolvimento de antibióticos.

No meio médico os profissionais que atuam na estética são vistos da mesma forma que os políticos no dia a dia. É por isso, que são criticados pelo que fazem e invejados pelo tanto que trabalham e ganham. Os profissionais inseridos neste meio são: os cirurgiões plásticos, os dermatologistas e recentemente os médicos esteticistas, estes últimos são mais atacados que os outros, pois não tem sua “especialidade” reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina.
As criticas aos Doutores da beleza não param por aí e vários outros padrões éticos estão envolvidos. O mais visível é a publicidade médica, que tem no código de ética medica regras para ser realizado e, no entanto é comum vermos cirurgiões plásticos em tops shows exibindo as curvas de suas clientes. Neste caso o código condena qualquer tipo de exposição de pacientes para publicidade e aplica multa quando isso acontece, porém o retorno da propaganda vale o gasto com as multas.

Não existe uma maneira de diminuir essa busca pela beleza e todo modismo tende a ser substituído por um outro com o tempo. Como um dia a bunda perdeu o posto de preferência nacional para o silicone, talvez chegue o dia em que a moda seja ter uma Beleza Pura.


Ricardo Leandro Felipe é Aluno do 6º ano médico da Universidade Federal do Mato Grosso, meu primo e um profissional que tem opinião.

domingo, 16 de março de 2008

O menino da Praça




Antoniel Costa Pereira, 25 anos, vigia de obra e de carros. Quase todo dia se senta, em cima de um morro, na sombra de uma árvore, única, da praça que liga a rua T-30 a T-55, no setor Bueno. O menino-homem parece hipnotizado pelo gotejar de água que sai da construção e cai no bueiro. Sua pele morena se mistura com a cor da terra. Seu cheiro de terra, de suor e de pinga denuncia uma noite mal dormida.

Os olhos são brilhantes e falam da saudade de suas Anas. A filha, Ana Vitória, 4 anos, havia mudado com a mãe Ana Claúdia para o Piauí. O amor havia acabado e o silêncio da praça o permitia mergulhar fundo e até uma sesta arriscava ao céu aberto.


Estudou até a 5 série, é torcedor do flamengo e por isso usa sempre a camiseta do time, o boné vermelho e preto e as calças de sarja preta. É baixinho e tem um jeito moleque, quem o observa de longe, dá no máximo 17 anos. Para a polícia parece uma ameaça e para muitos alunos das escolas próximas, também. Está sempre ali esperando um carro para ser vigiado, umas moedas para melhorar o salário e alguém para bater um papo. “Sabe cabeça vazia é oficina do Satanás é por isso que as pessoas roubam. Ainda há pouco a polícia parou e pediu meus documentos e perguntou se eu não tinha passagem, falei que não. Graças a Deus. Mesmo assim eles consultaram meus documentos e logo me liberaram.”

Ele mora em Aparecida de Goiânia, no Setor Garavelo, mas geralmente dorme no barracão da obra. No meio da terra vermelha, dos buracos, da bicicleta velha, dos tijolos, da madeira, do teto baixo, do cheiro forte, da construção do sobrado. Aceita seu destino de garoto pobre, não parece ter ambições e não pretende voltar a estudar. Naquele momento a única e real preocupação é que a bomba não pare de sugar a água do lençol freático que é jogada no “ralo”. A água limpa e não aproveitada. A bomba não pode queimar. Ele parece só observar a água cair e sentir saudade das suas Anas.