segunda-feira, 24 de maio de 2010

A cigana que gira

Uma caixa de cerveja quente, um maço de cigarros baratos e muita imaginação. Roda cigana, roda. Põe o vestido vermelho, dança, roda, gira e brinca de adivinhação. A Pombagira cigana é um exu- fêmea, uma entidade que trabalha na Umbanda e na Quimbada na linha da esquerda. Ela precisa de oferendas como cerveja e cigarros para ler o futuro. Ela é também macumbeira. Pode chutar, aliás, melhor não, com macumba todo cuidado é pouco. Ela acaba com a sua vida amorosa e roga uma praga, dessas que perduram por séculos. A pomba que gira pode até levar ao paraíso. Agora ficar lá é outra história.

A neblina de nicotina já encobria a saleta que ela escolheu como esconderijo para a adivinhação. Na mesa, os tocos estavam espalhados. Usava um batom vermelho de gosto duvidoso que combinava com o vestido, se ela não fosse tão velha diria que era flamenguista. A dúvida também se estendia as palavras: enroladas, cifradas e cheias de pequenos significantes. “Vejo muitas árvores. Uma casa e vocês aqui de volta”, profetizou a cigana. Naquele momento, tal profecia apenas provocou um sentimento de satisfação, afinal, parecia o prenúncio de novas férias, aventuras e descobertas. Era a primeira vez que minha família ia à praia. Primeira também que eu via uma cigana morta voltar a ter vida.

Era o início de 1992 que seria o ano mais feliz de todos. Eu que já vivi, o tal futuro, entendi anos mais tarde que aquelas poucas palavras abalariam toda uma estrutura e colocaria em curso um novo destino. Ou será que destino não muda? Não me esqueci daquele dia em que a cigana rodou, girou e viu os flashes de um futuro que ela não quis nos contar. A cigana teria mesmo visto alguma coisa?

Foi ela que pediu para ir até eles e descer no seu cavalo (corpo que recebe o espírito). A Pombagira foi atendida em todos os seus caprichos e gosto. Até um perfume levaram para ela. O agrado rendeu uma boa previsão para a moça bonita. Eles (meus pais e amigos) tinham em sua maioria, a idade que tenho hoje e estavam ansiosos para saber o que viria adiante. Quem não quer saber das boas perspectivas? Será que vou passar no concurso público? Minha família será feliz? Eles queriam olhar para o destino e quem sabe assim mudá-lo. Mas será que alguém quer realmente mudar o futuro? Alguém quer saber se o tal futuro seria na verdade o anúncio de uma maldição?

Ela disse a um rapaz que ele seria promotor e um ano depois ele passou no concurso. Contou a uma mulher recém-casada que ela e o marido seriam juízes. E ambos se tornaram. A que parecia ser a mais inteligente, com mais anos de estudo, a cigana se furtou em dizer que a vida dela estava além mar. Anos mais tarde, cansada dos concursos a jovem senhora partiu para os Estados Unidos. A mulher saiu quase que fugida por não ter alcançado o destino que tanto sonhou. E estava condenada a não ser juíza e a enlouquecer pela frustração do investimento em um sonho que jamais se realizaria.

1992... 2010. Dezoito anos se passaram e a tal profecia completou maior idade e todos viveram o que os era de direito. Hoje, consigo pensar nela, lembrar daqueles dias que explodem na minha memória como peças de um arquivo morto que acabam de ganhar nova vida. Aqui narro o que cigana teria visto no nosso futuro.

Um comentário:

Erika disse...

Uma cigana uma vez me disse que eu era uma pessoa muito invejada. Mas eu estava na praia, então é claaaaro que naquele momento tinha muita gente com inveja de mim..hehee.